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O erro como dimensão histórica: A compressão de uma experiência crítica
por Tainá Azeredo.
Texto escrito para o projeto Art Book.

Em oposição a uma história contada por meio dos “vencedores”, a edição de Bruno Moreschi se propõe a selecionar artistas que não necessariamente estão apontados entre os grandes produtores da época. A construção de uma enciclopédia propõe um recorte por uma história, e nesta história contada aqui, posições minoritárias não são exceções, além disso, essas posições deslocam-se constantemente na arte contemporânea. Isso quer dizer que as concepções e produções artísticas são muito mais diversas e abrangentes que o espaço normalmente dedicado a elas. Com base nesse pensamento, começa a escolha da narrativa que segue, que, como todo processo de seleção, é previamente condenada à falha. Mas se o fazer artístico pode ser visto como uma atividade na qual o “duvidar” te espera em cada esquina e em que a falha nem sempre é uma conduta inaceitável, por que então a narrativa histórica da arte o seria? Falar de fracasso, portanto, não serve somente para desenhar uma dúvida melancólica nos mais radicais, mas para abraçar as possibilidades existentes na própria lacuna entre intenção e realização. Há um prazer no fracasso e também em seu potencial. A falha nos abre espaço para um questionamento sobre o que seria uma verdade no campo da arte e, consequentemente, para uma ficcionalização da história. Nesta enciclopédia, desenvolvida em uma circunstância histórica, em que a construção da forma é escrita inevitavelmente dentro desse contexto, a ficção se torna verdadeira para essas circunstâncias, e isso ajuda a construir e definir o nosso entendimento da história hoje. De qualquer forma, o que a prática histórica comum, desficcionalizadora e científica revela é que a ficção, embora tenha seu espaço, deve ser regulada pelo documento, pela referência extranarrativa, seja para alcançar a verdade, seja para instruir, dando-lhe um propósito. E, aqui, o propósito é revelado no momento em que o recorte apresentado consegue traçar um panorama plural da arte contemporânea. Desde que a “estória” nos foi tirada da gramática portuguesa, abriu-se a possibilidade de contar uma história com meias verdades e, sem dúvida, quase todas as histórias incluem algum tipo de mentira, mas essa não, eu prometo. Partindo do preceito de que a narração escolhida para ser apresentada aqui é, pois, uma construção histórica, e com o propósito de repensar os tópicos canônicos da História da Arte, esta coleção de artistas testa a possibilidade de refletir acerca dessas histórias, considerando fontes diferentes e uma pesquisa abrangente para além das grandes coleções. A hipótese central é a de que esses documentos nos oferecem outros nomes, atores, problemas etc. E em virtude disso, admitem outras narrações e com elas outra história da arte. O trabalho de escolha diante de uma infinidade de artistas para construção de enciclopédias são ações intermináveis. Missões insolúveis. Tarefas repetidas que estão inevitavelmente condenadas ao fracasso – mais e mais, uma e outra vez. O mito de Sísifo pode ser usado como um quadro interpretativo por meio de uma forma de ação, na obrigação implacável por encontrar uma regra ou uma ordem que sempre parecerá absurda, arbitrária ou, de alguma outra forma, não declarada. E ao chegar ao fim desse discurso, sinto-me no feliz e sujo trabalho de pensar e criticar o objeto enciclopédico, e percebo que, no fim do texto, nada disso conta uma história, somente gera possibilidades para que as histórias aconteçam daqui para a frente.

* Tainá Azeredo, graduada em Comunicação e Artes do Corpo e mestre em Crítica, Curadoria e História da Arte, trabalha como curadora, pesquisadora e gestora em diversos projetos. Em 2009 fundou a Associação Casa Tomada – espaço de investigação artística em São Paulo, onde atua como diretora.