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Dentes descabelados: Enigmas e entrechoques nas obras de Tunga

10 de outubro de 2010

O crítico Felipe Scovino foi certa vez à casa de Tunga, no Rio de Janeiro, para uma entrevista. Arriscou uma primeira pergunta longa e cheia de termos como “arte”, “vida” e “violência”. O artista respondeu: “Não vejo pergunta no seu enunciado, mas uma sucessão de acepções e apreciações que você faz tanto à vida quanto ao mundo cultural. Não saberia o que responder.”

Scovino quis saber se considerava a arte contemporânea “uma conjunção de experiências caóticas”. Tunga discordou: “O que você está chamando de arte contemporânea é um fenômeno que acontece dentro da sociedade ocidental, num circuito determinado de uma cultura, que envolve museus, colecionadores, críticos, imprensa. Isto é um grão perto daquilo que é o exercício da subjetividade da sociedade ocidental contemporânea. Falar do homem e da existência a partir desse pequeno grão me parece restrito.”

Nas outras 25 respostas, Tunga respondeu sempre de maneira agressiva e taxativa, com frases como “fico perplexo porque nunca vi essa história da arte que você está me relatando” e “você parte de pressupostos com os quais necessariamente não concordo”. Scovino conversou com Tunga para seu livro Arquivo Contemporâneo. Lançado no ano passado, ele reúne entrevistas de treze artistas brasileiros – todos bem mais cordiais do que Tunga.

Nove meses após o encontro, Scovino lembrou: “Tunga me colocou numa posição de pensar nos meus próprios critérios. Ele tem uma capacidade de não responder sua pergunta, mas, mesmo assim, falar coisas pertinentes.” Para ele, uma conversa com o artista é “uma alegoria de um jogo de xadrez. Você escolhe: entra no jogo e duela com ele, ou desiste e escuta o que Tunga tem para falar.”

* Parte do perfil do artista Tunga que escrevi em 2010 para a revista piauí. Queria que o texto começasse assim, mas o editor mudou em cima da hora. Naquele ano eu fui várias vezes para a casa de Tunga entrevistá-lo e participar de seu jogo.