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Pensamento enciclopédico
por Joseph Imorde.
Texto escrito para o projeto Art Book.

“Ter uma entrada em uma enciclopédia é como ter um monumento em frente a um teatro de ópera.”
Werner Benjamin

Alguma coisa está acontecendo com as abordagens enciclopédicas sobre arte contemporânea. Mostras recentes – como a da Bienal de Veneza de 2013 – tentam incorporar a “história inteira”, abordar nada menos do que o “arquivo global”, ou, ainda, tendem a preencher imensos espaços de exibição com materiais dos mais heterogêneos para expor teorias sobre “tudo”.

Tais esforços enciclopédicos podem ser entendidos como uma iniciativa compensatória para um entendimento sobre o mundo demasiadamente complexo no qual vivemos, uma distração da realidade com a qual a maioria já perdeu contato. Aqueles que estão fadigados com as exigências excessivas da nossa sociedade de capitalismo tardio ou aqueles que se sentem extenuados pelas exigências da nossa era digital podem encontrar refúgio nas simplificações exageradas que as enciclopédias visuais oferecem – ordem, redução e abrangência. As enciclopédias desdobram, em tais simplificações, as condições ideológicas de sua formação e revelam processos hegemônicos de seleção e escolha. Massimiliano Gioni compilou em seu Palazzo Enciclopédico posicionamentos artísticos muito diferentes e todos os tipos de projetos que tentaram sistematizar um conhecimento arbitrário do mundo como um todo. “Ofuscando a linha entre artistas profissionais e amadores, leigos e não leigos, a exibição teve uma abordagem antropológica aos estudos de imagens, direcionando o olhar, em particular, aos reinos do imaginário e às funções da imaginação. Então, o que resta para imagens internas – sonhos, alucinações e visões – em uma era cercada de imagens externas? E qual é o sentido de se criar uma imagem do mundo quando o próprio mundo está cada vez mais parecido com uma imagem?”

Uma das ligações entre os posicionamentos muito diferentes foi a tentativa de se adotar métodos científicos. O pensamento enciclopédico tenta oferecer modelos, preparar a espécime, apresentar “coisas” que representam outras coisas. Um pequeno acervo de fotografias pode representar todas as imagens imagináveis; uma amostra de apartamentos decorados pode se tornar representante oficial de toda a comunidade da arquitetura global. O que está acontecendo aqui é a metamorfose da complexidade em um mundo artístico de alegorias, uma operação que está tentando convencer, classificando as partes do mundo – supondo que, com base em um único detalhe, a imagem inteira pode ser reconstruída.

Hoje, autores, curadores e artistas tentam criar sistemas alegóricos que expliquem o todo por meio de pedacinhos e peças separadas. Essas operações heurísticas permanecem em uma longa história de pensamento enciclopédico – um pensamento, a propósito, que sempre foi guiado pela ideia de moldar o mundo utilizando-se de simplificações tangíveis. Não é, em absoluto, necessário apresentar cada artista contemporâneo do mundo, quando se pode agrupar cinquenta que, supostamente, representam todos eles. Os incontáveis livros que compreendem as obras mais importantes dos anos 1960, 1970 e 1980 moldam não apenas o conhecimento histórico da arte, também estabelecem classificações de valor e um regime de importância.

Enciclopédias artísticas – como a que Bruno Moreschi compilou – são tentativas de se criar um sistema autodissuasivo de qualidades que falam sobre um entendimento ideológico do mundo além da informação simplificada que se pode extrair do material compilado. Procurar tais leis intrínsecas e, frequentemente, escondidas na forma e no conteúdo de uma enciclopédia pode abrir caminhos para o entendimento de algo desconcertante – a verdade inegável de que todas as visões do mundo são ideologicamente fabricadas.

* Joseph Imorde é professor-associado de História da Arte da Universidade de Siegen. Suas áreas de interesse são Arte barroca, Historiografia, História da Arquitetura e Estudos de Mídia. Entre os livros publicados, estão Presence and Representation, or: The Art to Exhibit the Eucharist (1997), Affect Transmission (2004), The Grand Tour in Modern and Postmodern Times (2008); Michelangelo Deutsch! (2009), Dirty Sheets. The Underside of the Grand Tour (2012).