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A imagem do outro
por Paula Borghi.
Texto escrito para o projeto Art Book.

Das frases célebres, talvez a mais pertinente para essa situação seja “No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”, de Andy Warhol. Artista que dispensa apresentações, Warhol fotografou celebridades, criou-as e se transformou em uma. Em Superfície Polaroides (1969-1986) encontram-se tanto fotografias de nomes já reconhecidos em suas profissões, como Mick Jagger, Jane Fonda e John Lennon, quanto de famosos que ascenderam na Factory sob os cuidados de Warhol, como Edie Sedgwick e Arnold Schwarzenegger. Pois se hoje o político Arnold Schwarzenegger (mais conhecido como “o exterminador do futuro”) tornou-se uma pessoa pública, seguramente o que impulsionou sua carreira foi sua repercussão como modelo vivo do artista em 1977.

Warhol literalmente criou uma fábrica, expandiu a ideia de produto e exonerou a distinção entre uma celebridade instantânea e uma lata de sopa. Para o artista, uma serigrafia de Marilyn Monroe reproduzida repetidas vezes compartilhava o mesmo tempo de preparo e consumo do que uma serigrafia de latas Campbell’s. O artista trouxe uma nova noção de tempo para a arte, o tempo do instantâneo, que pode ser encontrado tanto na notícia fresca quanto na carne nova.
A moeda de troca que permeava as relações na Factory não era necessariamente monetária, o desejo em ser e estar (em outras palavras I wanna be) era o que pautava as relações. Enquanto Edie Sedgwick, mais conhecida como “a pobre menina rica”, encontrava compradores para as obras de Warhol, o artista tornava-a um ícone da pop art. Mentor da banda Velvet Underground, do artista Jean-Michel Basquiat, entre outros, Warhol sabia escolher seus amigos.

Será que o futuro enunciado por Warhol não seria o presente em que nos encontramos? Hoje, os artistas instantâneos são aqueles que aos 20/30 anos participam de Bienais, e que aos 40 anos desaparecem tão rápido como surgiram. A velocidade em que o mercado absorve um jovem artista hoje é a mesma do preparo de uma sopa Campbell’s: basta abrir a lata, esquentar e consumir.

Com frequência, listas de melhores artistas e curadores são publicadas em revistas e blogs, geralmente apresentando os 10, 50 ou 100 “mais relevantes”. Porém o formato mais desejado são os livros de capa dura, bilíngues e com mais de 200 páginas, de preferência, que tenham uma média de 10 textos críticos de apresentação geral e um texto dedicado a cada um dos artistas; livros que pesem pelo menos um quilo e que tenham capas atraentes para serem exibidos na mesa de estar ou sala de espera. Participar de um livro como Ice Cream é como ter uma entrada VIP para museus e instituições de arte. Mas a regra não se aplica para todos os livros do gênero.

O livro Brazilian art book, exemplo brasileiro desse formato de publicação, não é tão feliz quanto o Ice Cream. Brazilian art book, que periodicamente apresenta nomes da arte brasileira, já está em seu sexto volume, e a cada ano ganha mais páginas, mas não necessariamente apresenta um conteúdo melhor. Equivocado desde a escolha do idioma para o título, o livro apresenta ao leitor um compilado de artistas que frequentam os mesmos restaurantes que seu corpo editorial.

Ao encontrar livros como Brazilian art book, pergunto-me sobre a real necessidade desse tipo de formato. Qual é a relevância dessa publicação para a arte? Não seria esse um formato engessado e viciado? Estar em um livro desses é um certificado de entrada para a história? Uma publicação desse porte não seria uma das plataformas mercadológicas para valorizar apenas determinados artistas?

Essas são algumas das perguntas que me ocorrem quando penso no livro ART BOOK, de Bruno Moreschi, que, assim como Brazilian art book, tem seu título em inglês, fotos no formato três por quatro dos artistas participantes, é pesado demais para uma leitura cômoda e apresenta textos genéricos para descrever a produção dos artistas participantes. Mas o que leva Moreschi a editar um livro como ART BOOK? Será que esse autor busca fama por meio dos artistas apresentados no livro? Qual seria sua relação com os artistas?

Arrisco-me a analisar o processo criativo de Moreschi em afinidade ao de Andy Warhol, já que ambos fazem uso da imagem do outro para se consolidarem. Pois, da mesma forma que Edie Sedgwick e Arnold Schwarzenegger tiveram suas carreiras incitadas por Warhol, o mesmo acontece com os 50 artistas apresentados em ART BOOK. Assim, pergunto: o que será que o autor de um livro desse porte almeja?

É com essa pergunta, somada às afinidades do processo criativo de Warhol, que entendo ART BOOK como um meio perverso para alcançar não só os 15 minutos de fama, como também um canal para escrever o nome do autor/editor na História da Arte. O que me leva a concluir que Moreschi é um criador/editor surpreendente, perverso e que certamente será um sucesso.

* Paula Borghi é graduada em Artes Visuais pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), integrante do grupo de crítica do Centro Cultural São Paulo e curadora da Residência de Arte Red Bull. Desde 2001, segue com a investigação Projecto Multiplo, exibido em locais como MoMA – PS1, no Museu de Arte Contemporânea de Quito e na Universidade de Córdoba. Vive e trabalha em São Paulo.